A cultura política do Brasil
Enviado por Redação • agosto 30, 2005 • PONTOS DE VISTA • 0 ComentáriosComo está a política cultural no Brasil? Esta é uma pergunta sempre presente nos diversos debates do setor denominado culturalComo está a política cultural no Brasil? Esta é uma pergunta sempre presente nos diversos debates do setor denominado cultural. É objeto de estudo de nossos pensadores, é tormento para todo gestor público em busca de um projeto de consenso para a sua gestão. Todos nós que trabalhamos com a cultura desse país temos estudado e discutido bastante esse tema, entretanto acho importante, que analisemos alguns aspectos da Cultura Política, especialmente a brasileira.Não quero me referir apenas às políticas culturais relacionadas à arte. Falo aqui de algumas outras práticas que se tornaram culturais e estão relacionadas ao núcleo de poder da sociedade brasileira. Podemos incluir diversos objetos para estudo e reflexões, mas desejo, dessa vez, me concentrar na Cultura da Política. Política essa que está sendo alvo de uma provável reforma, no Congresso, após o mar de lama ter entornado pelos quatro cantos do país.Qual será a síntese da Cultura Política brasileira? Qual a cultura de quem faz a política do Brasil? Cidadãos e políticos têm a mesma cultura? Será que a cultura da política brasileira reflete a política cultural? Essas questões são caminhos dolorosos, mas necessários.Nosso atual presidente, certa vez, em plenário, colocou pela primeira vez, pois estamos assistindo ao segundo capítulo, grande parte do Congresso Nacional num mar de lama, ao declarar que daqueles que estavam a sua frente, trezentos, ou dois terços, eram “picaretas com anel de doutor”. Parte de nossa sociedade aplaudiu, outra parte calou-se e uma pequena parte indignou-se. Será que nosso atual presidente estava identificando um traço cultural de nossos políticos?Recentemente, em uma pesquisa, a Fundação Getúlio Vargas colheu informações sobre o que o povo achava de um traço importante da política dos brasileiros, o jeitinho, o arrumadinho, a panelinha. Apenas uma pequena parte citou essas características como corrupção. Podemos tirar algumas conclusões sobre a cultura política dos brasileiros com essa pesquisa? Somos um país educado para a corrupção.Uma questão aqui me parece crucial: como nós brasileiros podemos construir uma política cultural, humana e social, sabendo que alguns traços da cultura política no Brasil são marcados pela corrupção e picaretagem? Será que nós estamos num mato sem cachorros ou, o que é pior, será que a produção cultural brasileira também não está envolvida com a cultura dessa política?E se essa observação estiver ao menos resvalando na realidade, devemos, então, continuar sonhando que apenas com a injeção de recursos para o estudo e desenvolvimento cultural do país as coisas vão mudar para melhor ? Tenho a impressão que não.Podemos, no futuro, todos nós produtores culturais, ou um terço de nós, ser jogados, num mar de lama se não questionarmos, antes de tudo, nossa cultura política, nossos valores e nossa coerência. Não podemos apenas ficar pedindo transparência num país de coisas obscuras, de políticas de faz de conta, parecendo camaleões, mudando de cor de acordo com os governos, sem criar possibilidades de uma política cultural de Estado. Precisamos destruir e construir novos conceitos e não apenas nos acostumar ao papel omisso do discurso da reconstrução. A tarefa da reconstrução é um papel ingrato, humilhante e que nos coloca frente a frente com a sujeira sem a possibilidade de destruí-la. Na reconstrução, as ferramentas e os materiais são os mesmos. Esse papel nos leva a reproduzir conceitos, conceitos que se tornam costumes e depois se estabelecem como cultura.A crise porque passa a política brasileira é reflexo da incompetência e de maus profissionais que assumiram cargos através do voto e que não entendem nada do que é público e o que devem fazer para contribuir para o desenvolvimento da sociedade. A cultura da política brasileira revela uma legião de incompetentes bem pagos. Talvez seja um dos setores que mais cometem erros e que ainda estão trabalhando com uma cultura onde a competência não é medida pela capacidade de boas realizações de cada um, mas pelo número de votos que cada um tem o poder de obter. É o jogo da democracia jogado por quem não entende das regras.Dessa forma o Congresso Nacional e o Senado Federal chegaram a ponto de virarem verdadeiras delegacias de polícia, onde agente de polícia e ex-mulher de deputado entram e saem para prestar depoimento, querendo levar os cidadãos brasileiros a acharem que está se providenciando uma varredura na incompetência e na bandidagem. Mentira. A cultura da política brasileira está recheada de costumes, hábitos, fazeres, saberes que envergonham até mesmo os mais perigosos dos bandidos comuns. Há exceções, é claro, mas a olhos nus não se enxerga, tamanha a incompetência desse quadro político que hoje está nos poderes da República Federativa brasileira.Temos boa parte dos recursos destinados às artes e as culturas brasileiras transportando-se em tráfegos cada vez mais influentes. Esses recursos vêm das leis, das estatais e de uma infinidade de fundos que são geridos, em grande parte, por políticos e profissionais habituados a fazer da gestão pública uma gestão privada, quando nem a gestão privada deve esquecer o caráter público de seu contrato com a sociedade.Com que conceito de cultura nós estamos trabalhando? Penso que nós que trabalhamos com a cultura, também somos os responsáveis por estudar permanentemente a cultura de cada pilar da sociedade. Há muito sabemos que cultura não é apenas arte, mas agimos o tempo todo como se fosse. Essa é a cultura que aprendemos e estamos ajudando a manter. E esses costumes, hábitos, fazeres e saberes deixaram o setor cultural isolado de toda a sociedade. Homens da cultura, mas apenas homens da arte. E devemos continuar a deixar a análise da cultura nas mãos dos críticos de arte, dos sociólogos e dos escritores? Provavelmente sim. Mas vamos, também, ocupar nossos espaços e analisar nossos passos, para ver se nossos caminhos estão de acordo com nossos discursos políticos. Sejamos críticos sobre nossas atitudes e sobre como estamos trabalhando com projetos que devem ter, além do lúdico, o compromisso com o crescimento dos níveis educacionais e sociais do Brasil. É fundamental essa crítica para propormos à sociedade uma política cultural baseada no homem, no meio ambiente e no desenvolvimento local. No desenvolvimento da diversidade, e, principalmente na diversidade dos consensos e conceitos, das tradições e das diversas formas de revoluções.Afonso Oliveira